terça-feira, 30 de junho de 2009

Enquanto isso na sala da justiça...


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Marx, Freud e Nietzsche
 

sábado, 20 de junho de 2009

Estado de São Paulo: Educação pública em risco

Apesar das diversas críticas feitas pelos professores e pela imprensa, os erros continuam.

Materiais didáticos do Programa “São Paulo Faz Escola” continuam com erros graves. Um desses erros está no Caderno do Professor – Disciplina Filosofia – 1ª Série do Ensino Médio – Volume 2, 2009, que sugere como exercício de indução o raciocínio (silogismo) apresentado abaixo:

“Os livros de Matemática são difíceis.
Este livro é de Matemática.
Portanto, este é um livro difícil.”[1]

Ora, este modelo de raciocínio não é uma indução como apresentado no Material Didático do Estado de São Paulo e, sim, uma dedução, pois a partir de uma premissa universal (maior) e uma premissa particular (menor) obtém-se uma conclusão, conforme esclarece Franklin Leopoldo e Silva:

“(...) Para Aristóteles, o conhecimento deve ser dedutivo e o silogismo representa o mecanismo da dedução. Uma vez colocada a premissa maior, obtém-se a conclusão por meio do termo médio, o qual, presente nas duas premissas (a maior e a menor), faz uma ligação entre os termos maior e menor. Isso deve ser feito segundo certas regras que o filósofo explica num escrito chamado Primeiros Analíticos, que faz parte do Organon, o conjunto de obras lógicas que tratam especialmente de questões sobre a verdade e o conhecimento.”[2]

Outro erro grave está no Caderno do Professor da disciplina de Filosofia, Ensino Médio, 2ª Série, Volume 2, 2009. Neste Caderno, a teoria de Freud é apresentada com vários equívocos que destacamos abaixo:

“O Funcionamento de nossa psicologia individual, para Freud, é dividido em três estruturas: id, ego e superego.”[3]

Ora, Freud não classifica a mente como “nossa psicologia individual” e, sim como “aparelho psíquico” formado por localidades ou áreas de ação psíquica, conforme ele próprio esclarece:

“Chegamos ao conhecimento deste aparelho psíquico pelo estudo do desenvolvimento individual dos seres humanos. À mais antiga destas localidades ou áreas de ação psíquica damos o nome de id. Ele contém tudo o que é herdado, que se acha presente no nascimento, que está assente na constituição _ acima de tudo, portanto, os instintos, que se originam da organização somática e que aqui [no id] encontram uma primeira expressão psíquica, sob formas que nos são desconhecidas.”[4]

Demonstrando total desconhecimento da teoria de Freud, os autores do Caderno do Professor – Disciplina de Filosofia do Programa “São Paulo Faz Escola”, apresentam ainda, os seguintes equívocos:

“O id é o conjunto de nossos desejos e impulsos do inconsciente, imoral e egoísta.”[5]

“O ego é nossa fachada, nossa consciência. A ponta do iceberg que nos constitui.”[6]

Observa-se que faltou aos responsáveis por este Caderno compreender que o id é inato, isto é, natural, e que os homens não nascem com cultura ou valores morais, portanto, não podemos afirmar que o id é imoral e egoísta, pois ele se refere às pulsões ou forças naturais que movem os homens e, segundo Freud, há no id duas pulsões básicas: a pulsão de vida (Eros) e pulsão de morte (destrutiva), contudo os autores desse material afirmam que “os impulsos são agressivos”, ora, as pulsões não são apenas uma força destrutiva (pulsão de morte), pois elas são também uma força criadora (pulsão de vida). Portanto, falar de moralidade ou imoralidade só é possível após a aquisição de cultura por parte do homem, e este processo se dá por adaptação, fator que leva o homem a desenvolver em sua mente o ego e o superego.

“Sob influência do mundo externo que nos cerca, uma porção do id sofreu um desenvolvimento especial. Do que era originalmente uma camada cortical, equipada com órgãos para receber estímulos e com disposições para agir como um escudo protetor contra estímulos, surgiu uma organização especial que, desde então, atua como intermediária entre o id e o mundo externo. A esta região de nossa mente demos nome de ego. (...) O longo período de infância, durante o qual o ser humano em crescimento vive na dependência dos pais, deixa atrás de si, como um precipitado, a formação, no ego, de um agente especial no qual se prolonga a influência parental. Ele recebeu o nome de superego. Na medida em que este superego se diferencia do ego ou se lhe opõe, constitui uma terceira força que o ego tem de levar em conta.”[7]

Com base na teoria de Freud, é um erro afirmar que “o ego é nossa fachada” e “a ponta do iceberg”, pois “fachada” e “iceberg” são fenômenos visíveis ou empíricos, o ego (consciência) não é visível, isto é, não podemos ver a consciência dos outros, se pudéssemos, parte dos esforços da psicanálise seriam poupados.
Salientamos que apesar das diversas críticas feitas pelos professores e pela imprensa, os erros continuam. É bom lembrar que no Caderno do Aluno, 2ª série do Ensino Médio, Volume 1, 2009, os mesmos autores do Volume 2 desse material didático do Estado de São Paulo, contrariando o conjunto geral da ética, utilizam para exemplificar respectivamente moral e ética os seguintes argumentos: “Não se pode roubar”[8] e “Será antiético se prejudicar alguém e se for feito sem ter a urgência de salvar uma vida.”[9] Ora, a conclusão com base nestes argumentos é: se for para salvar uma vida é ético roubar. É importante ressaltar que se um indivíduo roubar com a justificativa de salvar uma vida, e esta atitude for universalizada, não haverá segurança.
Ressaltamos que as negligências da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo em relação aos materiais didáticos distribuídos para as escolas da rede estadual de ensino colocam em risco a educação pública no Estado. Há uma ausência de critérios na elaboração do Caderno do Professor e do Aluno (materiais didáticos do Programa São Paulo Faz Escola) e, fica notório que os autores desses Cadernos não dominam os conteúdos para os quais foram contratados para elaborar.

Mauro Antônio do Nascimento

[1] FINI, Maria Inês; MARTINS, Adilton Luis; CRISTOV, Luiza; MICELI, Paulo; SILVEIRA, Renê José Trentin. Caderno do Professor: filosofia: ensino médio - 1ª série, volume 2/ Secretaria da Educação. São Paulo: SEE, 2009, p. 12.
[2] SILVA, Franklin Leopoldo e. Teoria do conhecimento. In: Primeira Filosofia: lições introdutórias. 4ª
ed. São Paulo:
Brasilense, 1985, p. 176.
[3] FINI, Maria Inês; MARTINS, Adilton Luis; CRISTOV, Luiza; MICELI, Paulo; SILVEIRA, Renê José Trentin. Caderno do Professor: filosofia: ensino médio - 2ª série, volume 2/ Secretaria da Educação. São Paulo: SEE, 2009, p. 30.
[4] FREUD, Sigmund. Esboço de Psicanálise. In: Coleção os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2005, p. 162.
[5] FINI, Maria Inês; MARTINS, Adilton Luis; CRISTOV, Luiza; MICELI, Paulo; SILVEIRA, Renê José Trentin. Caderno do Professor: filosofia: ensino médio - 2ª série, volume 2/ Secretaria da Educação. São Paulo: SEE, 2009, p. 30.
[6] Ibidem. p. 30.
[7] FREUD, Sigmund. Esboço de Psicanálise. In: Coleção os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2005, p. 162-163.
[8] FINI, Maria Inês; MARTINS, Adilton Luis; CRISTOV, Luiza; MICELI, Paulo; SILVEIRA, Renê José Trentin. Caderno do Aluno: filosofia: ensino médio - 2ª série, volume 1/ Secretaria da Educação. São Paulo: SEE, 2009, p. 17
[9] Ibidem. p. 17

Rede Globo/Rede Integração: Entrevista ao vivo com Mauro Antônio do Nascimento

Rede Globo: Entrevista com Mauro Antônio do Nascimento

terça-feira, 16 de junho de 2009

As possibilidades da arte

“A arte e nada mais que a arte! Ela é a grande possibilitadora da vida, a grande aliciadora da vida, o grande estimulante da vida” Nietzsche

Imagem: Der Wanderer über dem Nebelmeer de Caspar David Friedrich

domingo, 14 de junho de 2009

Livro: Ser e Declínio
Autor: Mauro Antônio do Nascimento
Onde encontrar: http://www.livrariacultura.com.br/

Conhecimento e ação: um outro mundo é possível

"Suponhamos que o homem é homem e que a sua relação com o mundo é humana. Então, o amor só poderá permutar-se com o amor, a confiança com a confiança, etc." Karl Marx

Filosofia: Ser e Reflexão

"Compreeder o Ser tornou-se o primado da Filosofia, que pode ser considerada como o espelho e o reflexo da condição humana, pois através da Filosofia o homem se olha, se vê e nela se reflete em busca de sua origem e de sua meta."
Trecho do livro “Ser e Declínio” de Mauro Antônio do Nascimento

Estado de São Paulo: reflexões sobre ética em risco

O Governo do Estado de São Paulo distribui material didático para as escolas da Rede Estadual de Ensino com erros graves.

O material didático, Caderno do Professor e Caderno do Aluno da disciplina de Filosofia – elaborado pelo Governo do Estado de São Paulo – contém erros graves. O principal erro consiste em uma distinção equivocada entre moral e ética. Para os autores deste material didático “a moral define o que é bom e o que é mau, antes das ações, e que a ética define o que é bom e o que é mau segundo as circunstâncias. (...)”[1]
Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que uma das diferenças existentes entre as noções de ética e de moral é de ordem etimológica. A palavra “moral” é de origem latina e deriva do termo “mores” (costumes/caracteres); a palavra “ética” é de origem grega e foi formada a partir do termo “éthos” (costumes), “donde ter se formado o seu nome ética [êthiké] por uma pequena modificação da palavra hábito [éthos].”[2] Dessa forma, a preferência por uma das expressões destacadas é uma questão de escolha motivada pela tradição filosófica ou por questões terminológicas.
No que se refere à tradição filosófica, devemos aos gregos o início da sistematização das reflexões racionais acerca dos princípios que determinam a ação humana. E, como motivador terminológico, podemos citar o fato de determinadas correntes da filosofia moderna e contemporânea considerar um dos termos mais apropriado para as suas considerações conceituais. Contudo, os autores do material didático do Estado de São Paulo realizaram uma divisão mecânica e arbitrária entre o que não pode para a “moral” e o que pode para a “ética” dentro do campo das circunstâncias.
Ora, se a ação humana é orientada por certos princípios, é importante esclarecer que a avaliação das pessoas, no momento da ação, obedece a critérios que formam um conjunto de valores construídos com base em pressupostos empíricos ou racionais. De maneira geral, pode-se dizer que a partir de determinadas concepções de mundo e da necessidade de pensar o plano de nossas ações, surgiram as principais correntes da ética que, conforme Habermas, possuem três posições predominantes. “Até os dias de hoje, as discussões teóricas sobre a moral são determinadas pelo confronto entre três posições: as argumentações transcorrem entre Aristóteles, Kant e o utilitarismo.”[3] Mas, infelizmente, os responsáveis pelo Caderno de Filosofia do Estado de São Paulo ficaram limitados a uma visão estreita e distorcida do que seria a ética, colocando em risco as reflexões sobre tal eixo temático nas escolas públicas do Estado de São Paulo.
Para destacar e analisar os erros, contidos neste material didático, é necessário recuperar algumas das correntes da ética. A nossa trajetória tem como ponto de partida a ética aristotélica que é fundamentada na virtude, definida por Aristóteles como a atitude do homem ponderado que, entre dois extremos, escolhe o caminho do meio. A virtude “ocupa a média entre duas extremidades lastimáveis, uma por excesso, a outra por falta” (Aristóteles). Nessa perspectiva, ações que prejudicam a comunidade (a polis) não devem ser praticadas e, portanto, as ações dos cidadãos devem ter como finalidade o “bem comum” ou o bem público, por esta razão, a ética defendida por Aristóteles é classificada como uma ética comunitária.
Outro momento importante da história do pensamento ético, por assim dizer, é o apresentado pelo filósofo alemão Kant, que usa o conceito razão prática para designar moral. A partir de uma concepção deontológica, ele considera que a ação humana deve ser fundamentada no dever. É importante salientar a relação estabelecida por Kant entre o dever e a boa vontade, definida por ele como um princípio da razão. O dever não é, portanto, um fator externo expresso em algum código de leis ou mandamento de alguma instituição social. Agir com base no dever é seguir os princípios da razão, isto é, ser autônomo. Em sua obra Fundamentação da metafísica dos costumes, Kant afirma: “Age de tal modo que a máxima de tua ação sempre e ao mesmo tempo possa valer como princípio de uma legislação universal”. Em relação a tal perspectiva, por exemplo, não devemos mentir em nenhuma circunstância, pois se um indivíduo mentir e isso for feito por todos, não haverá confiança. Se um indivíduo estabelece como máxima matar e se isso for universalizado, a humanidade entrará em extinção.
Contudo, no material didático do Estado de São Paulo está expresso como definição de Ética: “Não será antiético mentir, por exemplo, se com isso você estiver salvando a vida de um inocente.”[4] A conclusão com base neste argumento é: se for para salvar uma vida, é ético mentir. Salientamos que esta definição de ética feri por completo os princípios defendidos pela ética deontológica, pois com base nas teses de Kant, as nossas ações devem ser guiadas pelo imperativo categórico.
Contrariando o conjunto geral da ética, é utilizado na página 17 do Caderno do Aluno para exemplificar respectivamente moral e ética os seguintes argumentos: “Não se pode roubar”[5] e “Será antiético se prejudicar alguém e se for feito sem ter a urgência de salvar uma vida.”[6] Ora, a conclusão com base nestes argumentos é: se for para salvar uma vida, é ético roubar.
É importante ressaltar que se um indivíduo roubar com a justificativa de salvar uma vida, e esta atitude for universalizada, não haverá segurança. Salientamos que a 23ª Vara Criminal de São Paulo negou, no dia 21 de março de 2006, o pedido de liberdade provisória movido em favor de Angélica Aparecida de Souza Teodoro, 18 anos, presa em São Paulo em novembro de 2005 sob acusação de roubar um pote de manteiga, no valor de R$ 3,20. A defesa da jovem alegou que "o furto/roubo famélico se amolda quando o 'é praticado por quem, em estado de extrema penúria, é impelido pela fome, pela inadiável necessidade de se alimentar'". Contudo, a Justiça de São Paulo não aceitou a alegação da defesa e a jovem permaneceu presa, só conseguindo liberdade provisória através de liminar concedida pelo ministro Paulo Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça em Brasília.
Para evitar, então, roubos famélicos, devemos refletir e agir para criar redes de proteção social. E, quando a ação é limitada pelas leis morais, é possível pensar na felicidade universal, pois seguir os princípios morais pode proporcionar não só o bem-estar para si, como também ser o responsável pelo bem-estar dos outros.
Mas, se na ética deontológica não há justificação, por exemplo, para o ato de mentir, o mesmo não procede com o utilitarismo. Segundo Peter Singer (um dos expoentes do utilitarismo contemporâneo), em circunstâncias normais é errado mentir. Porém, ele argumenta que na Alemanha nazista seria correto mentir para Gestapo com o intuito de proteger uma família judia. E, diante de situações estabelecidas pelos horrores da guerra, os indivíduos fazem avaliações e escolhas que têm como base princípios universais ou princípios míninos. Contudo, “quando o interesse próprio tem de ser posto em harmonia com o alheio, os discursos pragmáticos apontam a necessidade de compromissos. Nos discursos ético-políticos, trata-se da elucidação da identidade coletiva, que tem de deixar espaço para a multiplicidade de projetos individuais de vida. Nos discursos prático-morais, tem-se de examinar não apenas a validade e adequação dos mandamentos morais, mas examinar também se são cabíveis.”[7]
Entretanto, a postura reducionista dos autores do material didático de filosofia do Estado de São Paulo, reduziu a ética a uma única definição. E, com base neste reducionismo, eles indagam e respondem: “Onde se aprende a reflexão ética? Do ponto de vista da ética, saber o que é mau ou o que é bom depende da situação (...)”.[8] Mas, para as pessoas que se dedicam às questões filosóficas, esta não é uma boa resposta. Ficamos, então, com a postura de Singer que declara que o utilitarismo não é a única posição digna de consideração.

Mauro Antônio do Nascimento

[1] FINI, Maria Inês; MARTINS, Adilton Luis; CRISTOV, Luiza; MICELI, Paulo; SILVEIRA, Renê José Trentin. Caderno do Professor: filosofia: ensino médio - 2ª série, volume 1/ Secretaria da Educação. São Paulo: SEE, 2009, p. 19.
[2] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Coleção “Os Pensadores”. p. 267.
[3] HABERMAS, Jürgen. Para o uso pragmático, ético e moral da razão prática. Estudos Avançados, São Paulo, v. 3, n.7, p. 4-19, 1989, p. 4.
[4] FINI, Maria Inês; MARTINS, Adilton Luis; CRISTOV, Luiza; MICELI, Paulo; SILVEIRA, Renê José Trentin. Caderno do Aluno: filosofia: ensino médio - 2ª série, volume 1/ Secretaria da Educação. São Paulo: SEE, 2009, p. 17
[5] Ibidem. p. 17
[6] Ibidem. p. 17
[7] HABERMAS, Jürgen. Para o uso pragmático, ético e moral da razão prática. Estudos Avançados, São Paulo, v. 3, n.7, p. 4-19, 1989, p. 18.
[8] FINI, Maria Inês; MARTINS, Adilton Luis; CRISTOV, Luiza; MICELI, Paulo; SILVEIRA, Renê José Trentin. Caderno do Professor: filosofia: ensino médio - 2ª série, volume 1/ Secretaria da Educação. São Paulo: SEE, 2009, p. 20.