sábado, 20 de junho de 2009

Estado de São Paulo: Educação pública em risco

Apesar das diversas críticas feitas pelos professores e pela imprensa, os erros continuam.

Materiais didáticos do Programa “São Paulo Faz Escola” continuam com erros graves. Um desses erros está no Caderno do Professor – Disciplina Filosofia – 1ª Série do Ensino Médio – Volume 2, 2009, que sugere como exercício de indução o raciocínio (silogismo) apresentado abaixo:

“Os livros de Matemática são difíceis.
Este livro é de Matemática.
Portanto, este é um livro difícil.”[1]

Ora, este modelo de raciocínio não é uma indução como apresentado no Material Didático do Estado de São Paulo e, sim, uma dedução, pois a partir de uma premissa universal (maior) e uma premissa particular (menor) obtém-se uma conclusão, conforme esclarece Franklin Leopoldo e Silva:

“(...) Para Aristóteles, o conhecimento deve ser dedutivo e o silogismo representa o mecanismo da dedução. Uma vez colocada a premissa maior, obtém-se a conclusão por meio do termo médio, o qual, presente nas duas premissas (a maior e a menor), faz uma ligação entre os termos maior e menor. Isso deve ser feito segundo certas regras que o filósofo explica num escrito chamado Primeiros Analíticos, que faz parte do Organon, o conjunto de obras lógicas que tratam especialmente de questões sobre a verdade e o conhecimento.”[2]

Outro erro grave está no Caderno do Professor da disciplina de Filosofia, Ensino Médio, 2ª Série, Volume 2, 2009. Neste Caderno, a teoria de Freud é apresentada com vários equívocos que destacamos abaixo:

“O Funcionamento de nossa psicologia individual, para Freud, é dividido em três estruturas: id, ego e superego.”[3]

Ora, Freud não classifica a mente como “nossa psicologia individual” e, sim como “aparelho psíquico” formado por localidades ou áreas de ação psíquica, conforme ele próprio esclarece:

“Chegamos ao conhecimento deste aparelho psíquico pelo estudo do desenvolvimento individual dos seres humanos. À mais antiga destas localidades ou áreas de ação psíquica damos o nome de id. Ele contém tudo o que é herdado, que se acha presente no nascimento, que está assente na constituição _ acima de tudo, portanto, os instintos, que se originam da organização somática e que aqui [no id] encontram uma primeira expressão psíquica, sob formas que nos são desconhecidas.”[4]

Demonstrando total desconhecimento da teoria de Freud, os autores do Caderno do Professor – Disciplina de Filosofia do Programa “São Paulo Faz Escola”, apresentam ainda, os seguintes equívocos:

“O id é o conjunto de nossos desejos e impulsos do inconsciente, imoral e egoísta.”[5]

“O ego é nossa fachada, nossa consciência. A ponta do iceberg que nos constitui.”[6]

Observa-se que faltou aos responsáveis por este Caderno compreender que o id é inato, isto é, natural, e que os homens não nascem com cultura ou valores morais, portanto, não podemos afirmar que o id é imoral e egoísta, pois ele se refere às pulsões ou forças naturais que movem os homens e, segundo Freud, há no id duas pulsões básicas: a pulsão de vida (Eros) e pulsão de morte (destrutiva), contudo os autores desse material afirmam que “os impulsos são agressivos”, ora, as pulsões não são apenas uma força destrutiva (pulsão de morte), pois elas são também uma força criadora (pulsão de vida). Portanto, falar de moralidade ou imoralidade só é possível após a aquisição de cultura por parte do homem, e este processo se dá por adaptação, fator que leva o homem a desenvolver em sua mente o ego e o superego.

“Sob influência do mundo externo que nos cerca, uma porção do id sofreu um desenvolvimento especial. Do que era originalmente uma camada cortical, equipada com órgãos para receber estímulos e com disposições para agir como um escudo protetor contra estímulos, surgiu uma organização especial que, desde então, atua como intermediária entre o id e o mundo externo. A esta região de nossa mente demos nome de ego. (...) O longo período de infância, durante o qual o ser humano em crescimento vive na dependência dos pais, deixa atrás de si, como um precipitado, a formação, no ego, de um agente especial no qual se prolonga a influência parental. Ele recebeu o nome de superego. Na medida em que este superego se diferencia do ego ou se lhe opõe, constitui uma terceira força que o ego tem de levar em conta.”[7]

Com base na teoria de Freud, é um erro afirmar que “o ego é nossa fachada” e “a ponta do iceberg”, pois “fachada” e “iceberg” são fenômenos visíveis ou empíricos, o ego (consciência) não é visível, isto é, não podemos ver a consciência dos outros, se pudéssemos, parte dos esforços da psicanálise seriam poupados.
Salientamos que apesar das diversas críticas feitas pelos professores e pela imprensa, os erros continuam. É bom lembrar que no Caderno do Aluno, 2ª série do Ensino Médio, Volume 1, 2009, os mesmos autores do Volume 2 desse material didático do Estado de São Paulo, contrariando o conjunto geral da ética, utilizam para exemplificar respectivamente moral e ética os seguintes argumentos: “Não se pode roubar”[8] e “Será antiético se prejudicar alguém e se for feito sem ter a urgência de salvar uma vida.”[9] Ora, a conclusão com base nestes argumentos é: se for para salvar uma vida é ético roubar. É importante ressaltar que se um indivíduo roubar com a justificativa de salvar uma vida, e esta atitude for universalizada, não haverá segurança.
Ressaltamos que as negligências da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo em relação aos materiais didáticos distribuídos para as escolas da rede estadual de ensino colocam em risco a educação pública no Estado. Há uma ausência de critérios na elaboração do Caderno do Professor e do Aluno (materiais didáticos do Programa São Paulo Faz Escola) e, fica notório que os autores desses Cadernos não dominam os conteúdos para os quais foram contratados para elaborar.

Mauro Antônio do Nascimento

[1] FINI, Maria Inês; MARTINS, Adilton Luis; CRISTOV, Luiza; MICELI, Paulo; SILVEIRA, Renê José Trentin. Caderno do Professor: filosofia: ensino médio - 1ª série, volume 2/ Secretaria da Educação. São Paulo: SEE, 2009, p. 12.
[2] SILVA, Franklin Leopoldo e. Teoria do conhecimento. In: Primeira Filosofia: lições introdutórias. 4ª
ed. São Paulo:
Brasilense, 1985, p. 176.
[3] FINI, Maria Inês; MARTINS, Adilton Luis; CRISTOV, Luiza; MICELI, Paulo; SILVEIRA, Renê José Trentin. Caderno do Professor: filosofia: ensino médio - 2ª série, volume 2/ Secretaria da Educação. São Paulo: SEE, 2009, p. 30.
[4] FREUD, Sigmund. Esboço de Psicanálise. In: Coleção os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2005, p. 162.
[5] FINI, Maria Inês; MARTINS, Adilton Luis; CRISTOV, Luiza; MICELI, Paulo; SILVEIRA, Renê José Trentin. Caderno do Professor: filosofia: ensino médio - 2ª série, volume 2/ Secretaria da Educação. São Paulo: SEE, 2009, p. 30.
[6] Ibidem. p. 30.
[7] FREUD, Sigmund. Esboço de Psicanálise. In: Coleção os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2005, p. 162-163.
[8] FINI, Maria Inês; MARTINS, Adilton Luis; CRISTOV, Luiza; MICELI, Paulo; SILVEIRA, Renê José Trentin. Caderno do Aluno: filosofia: ensino médio - 2ª série, volume 1/ Secretaria da Educação. São Paulo: SEE, 2009, p. 17
[9] Ibidem. p. 17

Nenhum comentário:

Postar um comentário