terça-feira, 8 de novembro de 2011

Ética e o confronto de posições

Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que uma das diferenças existentes entre as noções de ética e de moral é de ordem etimológica. A palavra “moral” é de origem latina e deriva do termo “mores” (costumes/caracteres); a palavra “ética” é de origem grega e foi formada a partir do termo “éthos” (costumes), “donde ter se formado o seu nome ética [êthiké] por uma pequena modificação da palavra hábito [éthos].”[1] Dessa forma, a preferência por uma das expressões destacadas é uma questão de escolha motivada pela tradição filosófica ou por questões terminológicas.
No que se refere à tradição filosófica, devemos aos gregos o início da sistematização das reflexões racionais acerca dos princípios que determinam a ação humana. E, como motivador terminológico, podemos citar o fato de determinadas correntes da filosofia moderna e contemporânea considerar um dos termos mais apropriado para as suas considerações conceituais. (...)
Ora, se a ação humana é orientada por certos princípios, é importante esclarecer que a avaliação das pessoas, no momento da ação, obedece a critérios que formam um conjunto de valores construídos com base em pressupostos empíricos ou racionais. De maneira geral, pode-se dizer que a partir de determinadas concepções de mundo e da necessidade de pensar o plano de nossas ações, surgiram as principais correntes da ética que, conforme Habermas, possuem três posições predominantes. “Até os dias de hoje, as discussões teóricas sobre a moral são determinadas pelo confronto entre três posições: as argumentações transcorrem entre Aristóteles, Kant e o utilitarismo.”[2]
(...) A nossa trajetória tem como ponto de partida a ética aristotélica que é fundamentada na virtude, definida por Aristóteles como a atitude do homem ponderado que, entre dois extremos, escolhe o caminho do meio. A virtude “ocupa a média entre duas extremidades lastimáveis, uma por excesso, a outra por falta” (Aristóteles). Nessa perspectiva, ações que prejudicam a comunidade (a polis) não devem ser praticadas e, portanto, as ações dos cidadãos devem ter como finalidade o “bem comum” ou o bem público, por esta razão, a ética defendida por Aristóteles é classificada como uma ética comunitária.
            Outro momento importante da história do pensamento ético, por assim dizer, é o apresentado pelo filósofo alemão Kant, que usa o conceito razão prática para designar moral. A partir de uma concepção deontológica, ele considera que a ação humana deve ser fundamentada no dever. É importante salientar a relação estabelecida por Kant entre o dever e a boa vontade, definida por ele como um princípio da razão. O dever não é, portanto, um fator externo expresso em algum código de leis ou mandamento de alguma instituição social. Agir com base no dever é seguir os princípios da razão, isto é, ser autônomo. Em sua obra Fundamentação da metafísica dos costumes, Kant afirma: “Age de tal modo que a máxima de tua ação sempre e ao mesmo tempo possa valer como princípio de uma legislação universal”. Em relação a tal perspectiva, por exemplo, não devemos mentir em nenhuma circunstância, pois se um indivíduo mentir e isso for feito por todos, não haverá confiança. Se um indivíduo estabelece como máxima matar e se isso for universalizado, a humanidade entrará em extinção.
            Mas, se na ética deontológica não há justificação, por exemplo, para o ato de mentir, o mesmo não procede com o utilitarismo. Segundo Peter Singer (um dos expoentes do utilitarismo contemporâneo), em circunstâncias normais é errado mentir. Porém, ele argumenta que na Alemanha nazista seria correto mentir para Gestapo com o intuito de proteger uma família judia. E, diante de situações estabelecidas pelos horrores da guerra, os indivíduos fazem avaliações e escolhas que têm como base princípios universais ou princípios mínimos. Contudo, “quando o interesse próprio tem de ser posto em harmonia com o alheio, os discursos pragmáticos apontam a necessidade de compromissos. Nos discursos ético-políticos, trata-se da elucidação da identidade coletiva, que tem de deixar espaço para a multiplicidade de projetos individuais de vida. Nos discursos prático-morais, tem-se de examinar não apenas a validade e adequação dos mandamentos morais, mas examinar também se são cabíveis.”[3]          

Mauro Antônio do Nascimento

[1] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Coleção “Os Pensadores”. p. 267.
[2] HABERMAS, Jürgen. Para o uso pragmático, ético e moral da razão prática. Estudos Avançados, São Paulo, v. 3, n.7, p. 4-19, 1989, p. 4.
[3] HABERMAS, Jürgen. Para o uso pragmático, ético e moral da razão prática. Estudos Avançados, São Paulo, v. 3, n.7, p. 4-19, 1989, p. 18.

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